Blog do Juarez

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O “DEFEITO DE COR” E OS “PRETOS DE ALMA BRANCA”

No final do antigo regime, ou seja, quando a família real veio para o Brasil em 1808, ainda vigorava a regra das ordenações filipinas do “defeito de cor”. A pessoa negra que quisesse e estivesse capacitada para uma função “melhorzinha” tinha que formular e assinar um documento chamado “súplica da dispensa do defeito de cor” no qual se dizia instruído, boa pessoa, temente à Deus e de acordo com o sistema e sendo assim para desconsiderarem seu “acidente de nascimento”.

Praticamente dizia ter a “alma branca” e como tal agiria (inclusive como linha auxiliar na repressão e desprezo aos outros negros) ao desempenhar função e ser melhor “aceito” socialmente. Aliás, “preto de alma branca” foi a única expressão que apesar de partir de um pressuposto racista, não tinha intenção injuriante, mas de “elogio” à uma pessoa negra, e isso no Brasil tem registros desde o século XVII por exemplo na referência à Henrique Dias.

Hoje não se faz nem assina o pedido, mas o tipo de pacto permanece em muitos casos…


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COTAS PARA NEGROS, DOIS CASOS DE ERRO

Segundo caso de repercussão que comento em uma semana. O primeiro uma óbvia “permissividade” em que alguém sem marcas de fenótipo razoáveis (Ricardo Barros) soube-se foi aprovado em concurso público na cota para negros,  agora esse em que a “negritude” do candidato é no mínimo equivocadamente questionada.

As comissões de heteroidentificação devem ser formadas por pessoas conhecedoras da questão e conceitos envolvidos, deve também ter composição diversa, com homens, mulheres, pessoas pretas, pardas e brancas.

Se é verdade que a comissão foi composta somente por pessoas negras (e geralmente quando dizem isso não estão falando em negros na acepção correta mas em pessoas de cor preta) além da não presença (mesmo virtual) do candidato na avaliação, está absolutamente errado. Principalmente se essas pessoas tem formação duvidosa para lidar com a questão corretamente, coisa comum à  neoativistas, coloristas e  pessoas que não sabem a diferença de negro e preto… .

Isso é grave e não pode ocorrer 😒

Matéria em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2021/07/11/militar-filho-de-indigena-tenta-provar-que-nao-e-branco-em-cota-de-medicina.htm


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Gato que nasce no forno…, ou o terraplanismo panafricanista de facebook

Na temporada que passei lecionando em Moçambique anos atrás, aprendi um ditado que era usado pelos portugueses e seus descendentes nos tempos coloniais, que no caso foi até meados dos anos 70 do século passado, portanto “recente”. O ditado dizia “Gato que nasce no forno não é biscoito, é gato”, ou seja, não importa o local de nascimento, mas sim de quem se descende. Era uma forma de “proteger” os filhos e “proteger-se”, no caso dos nascidos na colônia, da identificação estigmatizante como africanos, apenas por terem nascido no continente.

Era uma utilização obviamente racista e negacionista. Racista por entender que ser africano, mesmo que de origem européia era “ofensivo” e segundo por negar uma condição óbvia chamada NATURALIDADE.

Fiz a introdução para demonstrar o quão tortas e falaciosas são as premissas de “panafricanistas de facebook” que se identificam como “Afrikanos” ou “Afrakanos” não o sendo. Usando a mesma lógica, do “não importa onde nasça só seus ancestrais é que te definem”, acabam por repetir a mesma barbaridade que unia os racistas da Klu Klux Klan, que viam os negros que ajudaram a construir os EUA como alienígenas africanos (enquanto não se viam como invasores alienígenas da América) e desejavam mandar os negros para “o seu lugar, a África” e os seguidores de Marcus Garvey, que pretendiam se apossar da África por se considerarem “africanos”, apenas pela descendência.

Não é à toa que são tão agressivos, renitentes e fascistóides como os terraplanistas e outros tipos de negacionistas que se agrupam ou sobrepõem. Por mais que se apresentem argumentos e evidências nada os demovem da “fé cega” e da negação das evidências.

Quando topo com um desses ai pela web, lembro dos neonazistas brasileiros que escreveram para um grupo neonazi alemão e foram esculhambados, rechaçados e chamados de “cucarachas”, ou mais recentemente dos “brancos do sul” que foram mortos pelos gringos no filme Bacurau. Exemplos de percepção fantasiosa e identidade falaciosa.

Vou dar um exemplo, é comum no Brasil as vezes se referir ou apelidar às pessoas por sua ancestralidade, “Alemão”, “Japonês”, “Turco”, “Portuga”, quando há um fenótipo ou informações que apontem para essas origens nacionais… . Isso porém não ocorre com todo brasileiro dito “branco”. Por outro lado, diga sinceramente se você já viu algum branco brasileiro, mesmo os descendentes de imigrantes mais “recentes” se dizendo “EUROPEU” ou assim sendo referenciado ??? . Ser branco não é necessariamente ser europeu, no mais das vezes é ser eurodescendente, o que é coisa distinta. Então por que raios, alguns afrodescendentes, afrodiaspóricos querem insistir em se dizer “Afrikanos” ou “Afrakanos” quando NÃO SÃO ???. Qual é a dificuldade de entender que africano é quem nasce em África e que quem descende de africanos é afrodescendente. ? As palavras não existem e são diferentes à toa.

Não venham brigar comigo, vão brigar com os livros, dicionários, com a ONU…, que diz claramente em seu glossário que afrodescendente “é uma pessoa de descendência africana subsaariana, mas NÃO É ele(a) mesmo(a) africano(a).”

Na terraplana panafricanista de facebook, evidências e referências não contam, anos de estudos sobre África, africanos e diáspora não contam, experiências reais em África não contam…, só o que conta é usar a mesma lógica racista e estapafúrdia, do “não sou biscoito só por ter nascido no forno”, se fantasiarem de afrakanos (com coisas que nem os próprios africanos usam) e saírem bradando mecânica e insistentemente “Sou Afrikano”, além é claro de atacar quem por N motivos não concorda.

Enquanto isso, depois de 3 décadas de estudos, alguma grana gasta com livros, incontáveis horas de pesquisa em N meios, cursos sobre História e Cultura africana e afrobrasileira, temporada em África para uma experiência real, seminários, congressos, vivências culturais, artigos, capítulos de livro publicados, reconhecimento público e acadêmico na temática, lá vem aquela meninada que não consegue se contrapor a um argumento no mesmo nível, gastar sua agressividade, arrogância e soltar emojis com risadinhas… . Se a gente após todo esse trabalho “não pode” nem opinar no que conhece, fico imaginando o que é que os autoriza sem nada disso.


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Como fazer um lead falso, alarmista e impreciso antiEaD usando negros para sensibilizar.

Apesar de enquanto especialista em EaD obviamente ter um lado claro contra esse tipo de ataque, enquanto ativista negro me considero insuspeito para dizer que esse tipo de manipulação é desnecessária e prejudicial à causa negra, já que mais cedo ou mais tarde é demonstrada falaciosa, e com isso se perde credibilidade por conta de “forçação de barra neoativista”. Sinceramente não gosto, nem acho produtivo, ter que “atirar” contra os manos e manas, mas o pessoal não ajuda… .

Estou falando dessa matéria publicada no “Alma preta”.

O que esse lead dá a entender é uma generalização absurdamente falaciosa.

Quando vemos por exemplo uma outra pesquisa ampla e recente temos o seguinte:

Mais do que claro portanto que em linhas gerais seria IMPOSSÍVEL ter 2/3 dos negros (pretos+pardos) que compõem mais de 56% da população, ou apenas dos estudantes negros, sem acesso mínimo a internet e consequentemente sem condições de estudo remoto.

Já o estudo citado na matéria diz ter utilizado microdados dos inscritos no ENEM 2019. O que não diz é o quanto os estudantes que se inscreveram no ENEM correspondem populacionalmente, tampouco a representatividade populacional dos aproveitados via ENEM no ensino superior, o que seria importante para se ter uma ideia geral de exclusão provocada por falta de acesso a tecnologia.

Por outro lado a própria matéria diz textualmente:

“Segundo o estudo, realizado a partir de microdados do Enem do ano passado, entre todos os estudantes que compareceram nas provas, 21% não tinham estrutura mínima para estudar à distância. Desses 21%, quando se trata dos candidatos negros – pretos ou pardos – essa proporção sobe para 27,72%. Para indígenas, o número é de 39,58%. No caso de brancos, a taxa cai para 11,29%.”

Mesmo que o lead esteja falando de inscritos para o ENEM e o conteúdo dos que EFETIVAMENTE compareceram às provas, no geral 21% informaram não ter o acesso internet, se considerados pretos e pardos passa para quase 28%, o que é compatível com os dados gerais de que 25% da população é excluida do acesso, não é um percentual baixo, tampouco que ignora a maior exclusão entre negros, mas daí a falar em “70% dos estudantes negros” vai longa distância.

Outro ponto é a insistência em que essa exclusão computacional e de internet, inviabiliza o EaD. Dupla falácia, primeiro porque a esmagadora maioria, mais de 70% TEM ACESSO, mesmo entre os negros. A segunda é devido ao fato que EaD não se faz apenas ONLINE…, aqui no Amazonas por exemplo tivemos muito bem sucedida experiência de preparatório pré-vestibular popular feita pela TV pública e com fascículos semanais encartados no jornal de maior circulação.

Ou seja, novamente vemos um ataque a EaD enquanto modalidade, agora travestido de “preocupação” com a exclusão racial, antes falavam em pobreza em geral, mas parece que não estava fazendo muito efeito…, Aliás já fiz postagem sobre isso

A “preocupação” metapreconceituosa e o recurso ao “under class” contra a EaD na pandemia

Volto a insistir, meu ponto de vista não ignora que haja exclusão, mas não admite que ela tenha a extensão que alguns pretendem dar, ou que a mesma seja causada meramente pela aplicação da modalidade. Se ela existe fora ou dentro do contexto pandêmico é justamente pela falta de investimento público e preparação para utiliza-lá proveitosa e democraticamente, que é o que deve ser cobrado. Bem diferente de quem na verdade só pretende atacar a modalidade se utilizando de confusão, e sensibilização piegas.

Quanto ao ENEM 2020, acho impróprio, não por essa argumentação falaciosa de “falta de acesso”, mas pelo contexto pandêmico e consequências pela surpresa e falta de preparo geral para lidar com elas.


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“Contando os brancos”, ou Por que o brasileiro branco não enxerga seu metarracismo?

Ao republicar uma matéria jornalística falando do percentual de negros entre os mortos pela polícia, resultado da publicação do último Atlas da violência, recebi um questionamento: “por que vocês não contam os brancos também? , isso é preconceito…” seguido de uma “recomendação” para rever conceitos… .

Como um calejado ativista, estudioso da temática e também um educador, além de ter reconhecida e pública expertise, achei por bem didaticamente explicar a questão. Pois bem, então vamos lá:

Primeiro a pessoa tem que entender o que significa preconceito, depois discriminação, de posse dos dois conceitos deve buscar saber o que de fato é racismo. Com isso dominado vai saber o que é desigualdade racial e portanto qual motivo de se apresentar os indicadores estatísticos das questões que favorecem historicamente um grupo e prejudicam o outro.

Vejamos:

Retirado de https://www.diferenca.com

É necessário saber também que não existe preconceito ou racismo “reverso”, por isso é que sempre se denuncia o que é desequilíbrio… e normalmente a partir dos números que atingem os prejudicados principais, ou seja, “contando os negros”.

Podemos no entanto “contar os brancos” sim, e o que qualquer um vai ver é que nas coisas boas eles são sempre em maior proporção e nas coisas ruins eles são sempre menos…, entendeu ? 😉

Vamos “contar brancos” então:

Entenderam caríssimos ? “contar os brancos” não muda a realidade, só evidencia mais ainda a desigualdade, e isso é que deveria importar e indignar, não o fato de se denunciar a desigualdade a partir do indicadores dos negros…

Isso porém não é o pior, ainda há quem mesmo diante de todos esses dados e fatos insista em seguir no discurso da “divisão” sempre que se toca na questão da desigualdade racial.

Não somos nós que denunciamos a desigualdade que “dividimos” seja o que for, são a HISTÓRIA e REALIDADE que já fizeram isso, e é por conta disso os indicadores…, que eles insistem em ignorar para manter um discurso que não sabem mas se chama METARRACISTA (negar o racismo, ou em nome de um falso combate ao racismo, sugerir que não se fale mais dele ou não se tomem medidas para corrigir as desigualdades, deixando tudo como está, isso é trabalhar para o racismo, mesmo que involuntária e insconscientemente).

Você não divide quando coloca negros e índios em uma universidade que era só branca, você UNE, você não divide quando coloca negros no serviço público e em cargos elevados JUNTO com brancos, você UNE, você não divide quando favorece oportunidades para que negros tenham as mesmas condições que brancos e trabalhem juntos em pé de igualdade, morem juntos dividindo bairros de todos os tipos e não apenas bairros pobres…, você não divide quando permite aos índios manterem suas culturas e terras do jeito que eles querem… . A divisão é a realidade, quem quer ver enxerga…

Estamos trabalhando para mudar isso.


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Mapa interativo da distribuição racial no Brasil (em especial em Manaus-AM)

Muito interessante, trabalho  de mapa dinâmico realizado por PATA Análise e visualização de dados e baseado nos dados do censo 2010, para cada habitante um ponto colorido  baseado na cor informada e alocado em um mapa sobre o endereço informado; não existe apartheid oficial… na maior parte da cidade está “tudo junto e misturado”, porém há também espaços praticamente “circunscritos”,  abaixo uma intervenção que fiz no mapa para Manaus.

De certa forma, esse trabalho ajuda a desmontar a noção de senso comum de que não há negros no Amazonas / Manaus e pelo contrário, demonstra a sua presença (minoritária mas existente) por toda a cidade, áreas de maior concentração e também de baixa concentração, importante observar que foram destacados na intervenção os bolsões de autodeclarados pretos, porém oficialmente é considerada população negra a soma dos autodeclarados pretos e pardos…, a seguir sem ressalvas essa premissa, Manaus seria mais de 72% negra… e o mapa mostra isso claramente.

 Porém sabemos que a grande maioria dos pardos na amazônia é de origem indígena, mas não apenas, outra parte é de origem afro ou de ambas, portanto, pode- se estimar por comparação e extrapolação que se divididas a categoria pardo generalizada em “pardos de origem indígena”  e “pardos de origem africana”, esses últimos alcançariam na população do Amazonas algo em torno de 20% do total, que somados aos mais de 4% de pretos autodeclarados, implicaria em uma população afrodescendente de cerca de 1/4 do total,  ainda minoritária, porém nada desprezível em termos estatísticos e demográficos, para se ter ideia é  estatisticamente o mesmo de população autodeclarada branca e metade da indígena e de origem indígena somadas.

Mapa da cor em Manaus

Mapa da cor em Manaus

A título de informação os dados do Censo 2010- IBGE

 

Censo 2010 norte

No mapa interativo o efeito é bem mais interessante,  o pulo do gato é o zoom, experimente ver a distribuição pelas regiões e bairros de sua cidade…

Clique na imagem abaixo para ir ao mapa interativo.

Mapa racial do Brasil

Mapa racial do Brasil

 


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Endogamia é majoritária no Brasil

endogamia-brasil

Desmistificando a ideia de que o Brasil é um país miscigenado (ao invés de multirracial e miscigenado) e que tende a ficar cada vez mais miscigenado e correndo o risco de “desaparecimento” de qualquer um de seus grupos étnico-raciais por conta da miscigenação (aliás malogrando a teoria defendida pelos racistas científicos na década de 20 do século passado, de que por meio das sucessivas miscigenações o elemento negro desapareceria visualmente do país antes da virada do século, se tornando o país de aparência branca).

Observem no gráfico acima, que homens pretos unidos com pretas são 50,3% e com pardas outros 22,9%, ou seja, 73,3 % dos pretos estão com mulheres Negras (pretas ou pardas), apenas 25,5% estão com brancas, no caso dos pardos é semelhante, ao final permanecem em 74,9% unidos a negras (pretas e pardas) e similarmente 24,4% com brancas,  quando visualizados os brancos não é muito diferente, 73,7% são endogâmicos mas 26,6 (até um pouquinho mais que os negros)  não o são…, porém mesmo ai percebe-se uma proporção equilibrada de coisa de 2/3 de endogâmicos tanto em brancos quanto negros (lembrando novamente Negros=pretos+pardos).

Já os indígenas por incrível que pareça são um pouco menos endogâmicos que brancos e negros, conseguem manter 68,1 % de endogamia,  porém a “supresa maior” está com os “amarelos”, ou melhor, com os asiáticos (que o senso comum imaginava serem os mais endogâmicos, mas é justamente ao contrário) que mantém-se apenas 38,8% endogâmicos e proporcionalmente só não se unem a negras mais que os próprios homens negros, no quesito “desencalhe” para as negras em geral são bem mais promissores que brancos e de indígenas.

Conclusão, destruídos vários argumentos falaciosos de uma vez só, a saber :

1- O de que “negros preferem as brancas”

2- Que brancos “não casam com negras”

3- Que asiático-brasileiros são extremamente endogâmicos

4- Que índios pela etnicidade tendem a se “preservar” mais com a endogamia.

Ah ! e obviamente que nenhum, absolutamente nenhum outro homem se une mais à mulher preta que o próprio homem preto, portanto cobrem a “solução” da “solidão da mulher negra” também dos outros grupos masculinos e das próprias mulheres que apostam na fórmula “endogamia ou celibato”, as estatísticas comprovam que é possível ser feliz  no amor para além da cor… .

Tem mais um detalhe… esses dados são de Uniões estáveis/CASAMENTOS…,  é preciso visualizar que não reflete necessariamente todos tipos de relacionamentos…

Não deixem de seguir o link para  matéria jornalística sobre o assunto:

http://exame2.com.br/mobile/brasil/noticias/brasileiros-preferem-casar-dentro-da-propria-etnia


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RETROCESSO NA UFAM (II): Problemas conceituais e equívocos de operacionalização de cotas nas seleções para Pós-Graduação

Diversidade-na-pós-proibida

Em  postagem anterior , fizemos uma análise sobre a alegação de ilegalidade aventada como motivo para o cancelamento das cotas raciais que vinham sendo aplicadas em alguns cursos da UFAM-Universidade Federal do Amazonas, agora  analisaremos problemas conceituais e  equívocos de operacionalização de cotas nas seleções para Pós-Graduação ocorridos ao nosso ver.

 Antes de mais nada e sem querer me valer de falácia ao estilo Argumentum ad verecundiam (apelo de autoridade),  acho importante que ao ser manifestada uma opinião, quem a recebe saiba “de onde está falando” quem a emite, não para que a mesma seja tomada automaticamente como “verdade” ou mentira, mas principalmente para tentar evitar que o inescapável discurso de desqualificação vindo de quem sem maior  ou igual “background” temático e apresentação de evidências, se coloca sem maiores pudores em condições de “igualdade” ou mesmo “superioridade”  no debate, e em geral estes sim apelando para o já citado apelo de autoridade ( e autoridade que nem sempre é conexa com o que se discute).

Posto isso, digo que me sinto muito a vontade para emitir opiniões na questão e apontar problemas que percebo, e  isso vem dos mais de 10 anos de discussão praticamente ininterrupta sobre a questão de cotas,  balizada por leituras, escritas, participação em mesas redondas, programas de rádio, TV , matérias da imprensa escrita, e coordenando por seis  anos uma comunidade virtual de abrangência nacional com mais de 3 mil membros(COTAS SIM !) com debates diários sobre o tema e relacionados, também acompanhei in loco as audiências públicas promovidas pelo STF com participações das maiores autoridades no assunto e que balizaram o entendimento (favorável) do Relator, Ministro Ricardo Lewandowski,  sendo assim, me posiciono e com a ideia de estimular o debate e principalmente providências que resultem em efetividade para as políticas de Ações Afirmativas (AA) na nossa UFAM e em especial na pós, que carece de um regramento sistematizado e comum; comentários e críticas são bem-vindos, mas peço o favor de que sejam de nível, não pretendemos ficar a  discutir  Ad Eternum argumentos primários e equivocados como os que envolvem as palavras “capacidade”, “mérito” ou “inconstitucional”, tudo isso já foi alvo de extensas discussões em N canais por uma década… e o STF já “bateu o martelo”, não tem retorno, tratemos pois de passar então as questões de aplicação efetiva.

Vou dividir em três partes a exposição:  PRECONCEITOS & CONCEITOS , OPERACIONALIZAÇÃO PROBLEMÁTICA  e   SUGESTÕES .

PRECONCEITOS & CONCEITOS

Como disse, a ideia não é discutir a validade ou viabilidade de cotas, isso já foi muito feito e é “assunto superado” (pelo menos deveria ser, mas não é o que a situação apresenta),  vamos encontrar até hoje pessoas contra Ações Afirmativas (em especial cotas raciais), dispostas não apenas a criticar sua validade como a embarreirar onde e da forma possível sua execução; obviamente apesar de não assumirem isso (e por vezes nem enxergarem que assim agem), são motivações  classistas, elitistas  e  notadamente racistas que estão por trás de tal resistência, a forma de agir excludentemente foi atualizada (aliás nem tanto, no Brasil isso não é  exatamente nenhuma novidade), o META-RACISMO (racismo cínico disfarçado em “combate ao ‘racismo as avessas’ e defesa da igualdade formal”, tem como objetivo simples manter o Status Quo excludente, em geral por meios dissimulados e argumentação falaciosa), após o reconhecimento da constitucionalidade das cotas pelo STF (isso com repercussão geral, ou seja, é em principio aplicável em todas as questões e espaços institucionais públicos em que se apresente a necessidade de instituí-las), tal resistência evita o debate direto e conceitual , se manifesta através do protelamento de implantação por meio de “entraves burocráticos” ou “dificuldades de entendimento”/ “regulamentação”, e é exatamente o que estamos assistindo agora, leviano seria apontar nomes (até por que não faço a mínima ideia de quem poderia realmente estar por trás disso…), além disso, a forma como a prática meta-racista atua é a de um “fantasma”, ninguém consegue “provar” sua existência mas alumas pessoas  “enxergam direitinho” ou sentem a sua “presença”, a diferença é que se não é possível identificar  tão claramente a ação meta-racista e seus autores,  seus efeitos nefastos são extremamente materiais…

A ideia que muita gente tem de um cotista, é a de uma pessoa que acessou uma vaga sem passar por um processo seletivo, ou que passando pelo mesmo, o teve com conteúdo diferenciado e facilitado ou simplesmente que “não passou” dentro dos padrões “normais” e está lá por “benemerência estatal”  e ” imposição”…, nada mais equivocado.

  • Todo cotista passa por um processo seletivo
  • O conteúdo das provas NÃO É NEM DEVE SER DIFERENCIADO, muito menos as folhas respostas que possibilitem a IDENTIFICAÇÃO COMO COTISTA.
  • A   nota de corte NÃO PRECISA NEM DEVE SER DIFERENCIADA, i.e  se a reprovação se dá por exemplo com a nota inferior a 50% das questões na disputa universal é o mesmo para o cotista… A COTA ATUA NA CLASSIFICAÇÃO FINAL, ou seja, todo cotista foi APROVADO mas não necessariamente seria CLASSIFICADO dentro das vagas disponíveis sem a reserva.
  • Na Pós-graduação o “gargalo” tradicional é em geral a última etapa que normalmente é a ENTREVISTA,  é nela que a SUBJETIVIDADE, os preconceitos ou noções arbitrárias e não necessariamente reais  de “mérito” se colocam especialmente, portanto essa deveria ser a ÚNICA ETAPA NÃO ELIMINATÓRIA  para os candidatos dentro do perfil cotista.
  • O cotista concorre tanto pelas vagas universais quanto pelas vagas reservadas, eventualmente poderá ser classificado dentro do número de vagas universais, caso isso não ocorra só então será classificado dentro da listagem de vagas reservadas, se nem assim se encaixar estará definitivamente fora,  caso não haja cotistas aprovados em número suficiente para preencher todas as vagas reservadas, as remanescentes retornam para os próximos classificados da concorrência universal.

As cotas na pós-graduação são tão ou mais necessárias que na graduação pois a lógica excludente atua mais fortemente quanto mais se avança em direção ao topo da pirâmide social (e isso inclui  a qualificação acadêmica), segundo dados de pouco mais de 10 anos atrás, tínhamos no Brasil cerca de  DOIS MIL mestres e doutores negros, aparentemente isso poderia ser interpretado como “prova” de que não há restrição do acesso de negros aos programas, mas a discrepância fica muito clara quando verificamos que no mesmo período o número de mestres e doutores no Brasil era de TREZENTOS MIL… ,   ou seja, uma representatividade menor que 1%, quando a representatividade populacional negra é de 50%, mesmo que se estivesse cometendo o comum equívoco de trocar a terminologia preto por negro (preto é o indivíduo com características físicas tipicamente africanas, aparentemente sem miscigenação (cerca de 8% da população de acordo como o censo 2010), enquanto negro é todo indivíduo da POPULAÇÃO NEGRA que é oficialmente formada pelos autodeclarados pretos mais os pardos,sendo os pardos cerca de  42% de acordo com o censo 201o ), mesmo assim, haveria ainda enorme subrepresentação…  8% para 1% é boa diferença.   Encontramos a base de tais questionamentos no artigo do Professor Henrique Cunha Jr. de 2003, A Formação dos Pesquisadores Negros .

Ainda de acordo com Cunha Junior (2003) encontramos aqui a compreensão da importância da diversidade na pesquisa acadêmica No estágio atual do capitalismo, a pesquisa científica e os grupos de pesquisadores constituem um grupo privilegiado de exercício do poder, quer pela ação direta na participação nos órgãos de decisão do Estado, quer pela ação indireta através da difusão dos conhecimentos que justificam as ações dos poderes públicos. Os grupos sociais cujos membros não fazem pesquisa ficam alijados dessas instâncias de poder. A ausência de pesquisadores negros tem reflexo nas decisões dos círculos de poder. “

Índios e Negros, aqui cabe frisar que há diferenças não apenas situacionais e culturais entre os dois grupos, mas inclusive na forma como são “percebidos” e atingidos pelo preconceito e discriminação, enquanto os primeiros gozam de uma certa “simpatia” e valorização na sociedade em geral e nos meios acadêmicos (em especial no âmbito das Ciências Sociais e no contexto amazônico), os negros e “seus assuntos” não recebem o mesmo nível de aceitação e interesse; isso é em geral ainda persistente, tal constatação pode ser auferida não apenas empiricamente como por meio de referências  até  bem distanciadas cronologicamente da atual situação, vide: “Em artigo recente sobre a presença negra na Amazônia de meados do XIX, Luís Balkar Pinheiro aponta para as limitações de abordagem encontradas na produção historiográfica e conclui que um de seus principais desdobramentos é o fato de que “o ocultamento da presença negra na Amazônia continua efetivo, mantendo incólume uma das mais graves distorções na escrita da história da região.” (SAMPAIO, 1999, s/p) , olhando para o contexto nacional, onde por exemplo o DEM- Partido Democratas, ao entrar com a famosa e já julgada ADPF 186 (contras as cotas raciais na UnB), se percebe na inicial que o ataque não é diretamente e contra as cotas indígenas mas contra as para negros,  vide parte da argumentação utilizada:   f) cotas para negros nas universidades geram a consciência estatal de raça, promovem a ofensa arbitrária ao princípio da igualdade, gerando discriminação reversa em relação aos brancos pobres, além de favorecerem a classe média negra” (fls. 26-29).

Na sociedade como um todo, é visível também essa menor resistência com relação aos indígenas vide Pesquisa do DataSenado sobre educação revela que a instituição de cotas em universidades públicas é aprovada pela maioria das pessoas. A reserva de vagas nos vestibulares foi apoiada para diversos públicos: 66% manifestaram-se a favor das cotas para negros; 73% favoráveis às cotas para indígenas; 78% apoiaram cotas para estudantes que cursaram a rede pública; 83% defenderam cotas para estudantes de baixa renda e 85% aprovaram cotas reservadas para pessoas com deficiência.”

Voltando à UFAM, verificamos que desde 2008 existem cotas para indígenas na Pós-Graduação, inicialmente no PPGSCA (Sociedade e Cultura na Amazônia), desde 2011 no PPGAS (Antropologia) indígenas tem se beneficiado de cotas, somente em 2013 para a turma de 2014 são introduzidas no edital do PPGH (História) cotas para indígenas e também pretos e pardos…,  só depois desse ponto, “por coincidência” e não se sabe provocado exatamente por que ou por quem,  aparecem pareceres jurídicos contrários e são canceladas todas as cotas para a oferta seguinte… (turma 2015), em um exercício de mera especulação, pode-se imaginar que só assim o foi pois não haveria “condições justificáveis” de mantendo a prática já “tradicionalmente” corrente com relação aos indígenas, contestar e excluir  apenas a inclusão de pretos e pardos… .

A ideia de respeito à diversidade étnico-racial e o combate ao preconceito e discriminação deve perpassar igualmente todos os recortes historicamente prejudicados, mas as evidências demonstram que isso ainda não foi alcançado, precisamos portanto trabalhar para reverter as invisibilizações e naturalizações construídas como forma de excluir “o outro” .

OPERACIONALIZAÇÃO PROBLEMÁTICA

No atual ponto  observamos a condução dada à operacionalização da seleção 2013 para 2014, não faço referência ao processo do PPGSCA por não te-lo vivenciado e desconhecer em que termos foi feito, posso descrever os processos do PPGH e do PPGAS, os quais vivenciei.

As diferenças começam nos editais, enquanto o PPGH cita nominalmente  indígenas, pretos e pardos, já o PPGAS , possui cotas para servidores da UFAM,  fala apenas e vagamente em “Políticas afirmativas” e em “candidatos que se auto-declararem” (sem especificar se declararem como “o quê” ), ainda solicitando “obrigatoriamente uma declaração de reconhecimento de sua comunidade ou organização representativa”.

Essas disposições e exigências do PPGAS, em tese não vedam completamente a inscrição de negros  (e posso dizer pois tive a inscrição homologada), mas em “leitura” mais atenta está fortemente direcionada apenas para indígenas por :

a) Não chamar a atenção para a possibilidade de pretos e pardos se inscreverem.

b) Exigir  “declaração de reconhecimento”, sendo que isso é  apenas plena e de forma comum aplicável a indígenas, coisa que não ocorre com negros, pelo menos não a maioria, já que não há “associações representativas” ou “comunidades”  negras que façam “reconhecimento de pertença étnica ou comunitária” (o que seria possível talvez e exclusivamente para quilombolas, mas não usualmente  para negros “urbanos”), o reconhecimento “possível” para negros seria o de atuação como membros de organizações (nem sempre formalizadas) do movimento negro e por meio de outras evidências públicas e gerais do pertencimento étnico-racial (o que é raríssimo), assim procedi e acabei como único negro homologado, mas penso ter sido uma “surpresa” no processo, a formatação dada não era em nada favorável para esse  “tipo de público”.

editais-ppg-2014-ufam

Superada a primeira barreira (inscrição e homologação), vem a segunda,  A PROVA DE CONHECIMENTOS, a do PPGH não tinha quaisquer diferenças, candidatos cotistas e não cotistas fizeram a mesma prova e sem nada que indicasse a condição de cotistas na folha de respostas, a nota de corte foi a mesma para todos;  já no PPGAS as folhas de resposta eram “diferenciadas”, ou melhor,  identificadas com um código que possibilitava discernir cotistas dos demais candidatos, isso é perigoso pois pode gerar “correção diferenciada” (ou seja, favorecer ou prejudicar os candidatos cotistas, a partir da visão subjetiva do examinador), coincidência ou não praticamente todos os “cotistas” tiraram notas “medíocres” e seriam eliminados nessa fase, não fosse o fato da prova NÃO SER ELIMINATÓRIA PARA OS COTISTAS, o que contraria abertamente o espírito e práticas comuns nas seleções com cotas, pois em tese permite que um candidato sem condições mínimas, porém com um projeto bem escrito (não necessariamente por ele próprio) e que conte com empatia da banca de entrevista, logre êxito.

A próxima fase, ANÁLISE DO PROJETO,  transcorreu de forma comum no PPGH, os candidatos aprovados na prova de conhecimentos (e somente esses), tiveram seus projetos avaliados e as notas publicadas antes da próxima e última fase a ENTREVISTA,  já no PPGAS todos os candidatos cotistas (cuja quase totalidade já havia sido “reprovada” na prova) avançaram para a etapa de ENTREVISTA (antes que a nota do projeto tivesse sido dada), ao final  foram publicadas simultaneamente as notas do projeto e da entrevista (ou seja uma etapa UNIFICADA, conforme cita o edital “– 3ª Etapa – Análise de histórico escolar, curriculum vitae, projeto de pesquisa e entrevista; ” ) sendo ai finalmente eliminados a maioria dos candidatos cotistas “excedentes” (eu incluso), nessa fase outra situação inusitada foi a banca composta por  quatro professores (quando o comum seriam  três), seguindo os candidatos finalmente aprovados para a prova de proficiência em língua estrangeira (interna do PPGAS, mas não eliminatória, enquanto no PPGH não constituiu fase de seleção, devendo os aprovados comprovar a proficiência por meio de testes externos ao programa).

Em suma, enquanto o processo do PPGH seguiu práticas comuns de seleção com cotas (aliás no processo nem ficou muito evidente que estavam a ser utilizadas, eu por exemplo me inscrevi como cotista, mas devidos as notas acabei classificado dentro do número previsto para a concorrência universal (19º/24 ) em tese as vagas da cota seriam as 6 últimas das 29 disponibilizadas, a impressão que se tem é que todos os candidatos cotistas acabaram por  estar naturalmente na ordem de classificação universal, ou seja, na prática não tiveram “reclassificação” sobre não cotistas, sendo portanto a cota não utilizada na prática,  de qualquer forma a diversidade na turma 2014 do PPGH é invejável, talvez pela presença relativamente comum de pardos, pretos e indígenas na graduação em História da própria UFAM (o que por N motivos facilitaria a certo modo sua seleção na pós), talvez por uma tendência “não elitista”  da área o que se refletiria em maior “permeabilidade” na Pós-Graduação (inclusive para não oriundos da própria instituição), já o PPGAS  adotou práticas equivocadas que não favoreceram de fato as AA, pelo menos não com a abrangência esperada, o que em uma área não tradicionalmente tão diversa com relação a origem étnico-racial dos estudantes, não modifica sobremaneira o Status Quo.

De qualquer forma, apenas três programas ( entre os diversos existentes na UFAM) tiveram pelo menos a preocupação de tentar estimular alguma diversidade étnico-racial por meio de Ações Afirmativas, o que indica que  a maioria dos outros ou não visualiza a inexistência de tal diversidade no seu âmbito, ou visualiza a inexistência  mas não enxerga a necessidade de AA, portanto, é necessário que se conscientize e efetive práticas afirmativas também nesses outros programas.

Ações Afirmativas não são apenas  cotas, outras providências podem ser tomadas no sentido de fomentar a inclusão e permanência de minorias (no sentido de recortes tradicional e socialmente desfavorecidos), é preciso portanto conhecer os princípios que as movem e como aplicar corretamente cada um de seus instrumentos, vou dar um exemplo:  outro dia discutindo o assunto cotas com uma pessoa conhecida ouvi ” Se for assim, teria que ter cotas para NORDESTINOS, pois são ‘mais sofridos’ que  a maioria ‘dos negros’ “, vamos ver as incoerências no discurso :

a) As cotas não são implementadas em função de “sofrimento”, mas de falta de representatividade.

b) A categoria “nordestinos” é muito ampla, pode-se estar falando de habitantes do nordeste, gente nascida no nordeste mas residente em outras regiões, habitantes de regiões prósperas dentro da própria região ou de regiões menos favorecidas, de gênero, “raça/cor” e status sociais variados;  enfim em “nordestino” cabem muitas situações completamente diversas e nem todas necessitam de afirmação.

c) Toda ação afirmativa é direcionada a grupos em desvantagem histórica e persistente em contexto amplo ou regional, admitido “nordestino” como alvo de AA, qual seria esse “o nordestino” , o das capitais ?, dos interiores ? , os ricos ?, os pobres ?, os que moram fora da região ? , os brancos ? , os negros ?, os indígenas ? , em qual área seria feita a AA ? , abastecimento de água ?, alimentação ?, infraestrutura? , empregos?, moradia ?, educação ? .

d) Imaginando Educação Superior, deveriam ser então instituídas “cotas para nordestinos” (Sic) em todas universidades do país ? , qual o percentual de nordestinos nas universidades do nordeste ? (há subrepresentação ?), qual a relação representatividade populacional/ ocupação universitária nas demais regiões ? , qual o perfil sócio-econômico de “nordestinos” dentro  e fora das universidades ?

Fica claro que “nordestinos” enquanto categoria alvo de AA, só faria sentido em se falando de nordestinos no nordeste e em situação de desvantagem/vulnerabilidade social, ou seja, a AA deveria ter cunho REGIONAL e SOCIAL, no caso de  Educação Superior, não seria o caso de instituir cotas em universidades Brasil afora, mas LEVAR UNIVERSIDADES AO NORDESTE e fora dos eixos tradicionais de desenvolvimento…

Fico preocupado quando ouço gente falando que “cota não é  vista como AA”, assim como fico preocupado por outro lado, quando ouço falar em “cota para ribeirinho ou quilombola” ; sem um conhecimento mais aprofundado do que vem a ser AA e sua aplicabilidade, a tendência é o surgimento de “aberrações afirmativas”.

SUGESTÕES

  • A resolução CONSEPE  023/2014 de 28/08/14, toma algumas boas medidas para uma seleção mais justa, como na questão da definição de banca com três professores e as regras de participação, permitindo entrevista apenas se for gravada (o ideal seria que não fosse eliminatória, mas classificatória),  contraditório e ampla defesa em todas as fases do processo , e a eliminação de análise de currículo e proficiência em fases eliminatórias…, algumas das situações  que  ela visa corrigir foram justamente alvo de críticas feitas no tópico anterior…, a  mesma poderia ser  revista e ampliada a fim de tornar de modo geral a seleção mais justa e inclusiva.
  • O assunto das AA deve ser alvo de discussão com participação representativa do corpo docente e discente, e o mais breve possível a fim de que uma vez definidas regras gerais, se possa restabelecer as cotas na pós para as seleções em 2015,  sendo que as mesmas deveriam ser estendidas para todos os programas.
  • Melhor adequação da representatividade de indígenas e negros (pretos + pardos), pelo censo de 2010 o Amazonas possui 4,8% de população indígena,  4,3% de pretos e 68,1% de pardos (lembrando que para todos efeitos população negra é a soma dos autodeclarados pretos e pardos…), não faz o menor sentido afirmativo justo, um curso reservar hipoteticamente  20% de suas vagas exclusivamente para indígenas quando a representatividade populacional indígena é 4 vezes menor… e “deixar de fora” representação proporcional de 73% da população…, como é difícil e impreciso dividir poucas  vagas  exatamente de acordo com a representatividade populacional, até poderia-se deixar todas as vagas da reserva de maneira unificada para indígenas, pretos e pardos (sem distinção dentro do grupo reservado), o que não se pode é apenas fazer afirmação exclusivamente indígena na academia, a pesquisa  só tem a ganhar com uma “diversidade mais diversa”.


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Diretório dos índios do Marquês de Pombal : ou quando se acirrou a diferença social entre nativodescendentes e afrodescendentes no norte do Brasil.

negro-indio

introdução

O presente texto tem como objetivo esclarecer de forma sucinta e simples, conceitos básicos e históricos relativos ao entrelaçamento da população indígena e da de origem prevalentemente indígena desetinizada e/ou miscigenada (referenciada popularmente como parda de origem indígena ou “cabocla”), com a população afrodescendente (descendente de africanos independente de fenótipo característico ou miscigenado) sob o manto comum de população “negra” no norte do Brasil.

Além, das tentativas de desentrelaçamento, identificar a origem das trajetórias de diferenciação dos lugares sociais e condições de mobilidade social particulares de cada um dos grupos a partir de lei real datada de 7 de Junho de 1755, tratando de ordenamento de relações estatais e sociais nas “Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão” (regiões administrativas coloniais que à época concentravam os territórios de outros atuais estados da região norte como o Amazonas e do nordeste como o Piauí e Ceará), na época uma segunda colônia portuguesa nas Américas que não fazia parte do Brasil.

Para notação mais clara, passo a utilizar o termo nativodescendente para designar genericamente tanto indígenas quanto descendentes miscigenados ou sem etnia autodefinida e somente indígenas quando o contexto indicar o sentido corrente do termo.

Cabe lembrar também que o termo NEGRO, passou a ser utilizado por introdução dos espanhóis a partir do século XVI com o sentido de escravo/escravizado, sendo aplicado a todos em tal situação (tanto para africanos quanto para indígenas americanos).

Por economia textual e para conscisão, remeto as informações referentes ao Marquês de Pombal e sua relação com a administração do estado português e sua então colônia brasileira e a questão indígena para hipertexto (texto externo).

O início da questão

De conhecimento amplo é o fato que durante a colonização do Brasil e da segunda colônia portuguesa, o atual norte brasileiro, os primeiros escravizados para fins de mão de obra, foram os nativos brasileiros (ou simplesmente índios) cuja abolição oficial da escravidão veio em três episódios:

1) em 1o de abril de 1680 (através de lei real, na realidade inócua)

2) em 7 de junho de 1755 (a já citada lei tratando do Pará e Maranhão)

3) finalmente, em 1758 a medida foi estendida por alvará para o então Estado do Brasil .

Até então era comum os indígenas escravizados serem referenciados por “Negros da Terra” ou simplesmente Negros, referência também utilizada entre o próprios escravizados.

A utilização de mão de obra africana escravizada na América começou por volta de 1550 (segundo alguns historiadores por volta de 1570 no Brasil), ou seja, por mais de 180 anos, foram “Negros” tanto os africanos e descendentes quanto os indígenas e descendentes escravizados no Brasil ( obviamente com natural miscigenação entre os dois grupos…).

Portanto, apesar de ser corrente a interpretação de que Negros seriam os descendentes dos africanos escravizados, há bom espaço conceitual e histórico para “encaixar” na população negra (ou simplesmente descendente de escravizados) a descendência dos ” Negros da terra” , ou seja, a população parda de origem indígena (os populares “Caboclos”).

Do ponto de vista sociológico, e apesar dos fatores de diferenciação na mobilidade social que serão explanados adiante, os indicadores sociais e vicissitudes da maioria dessa população não difere razoavelmente da maioria da população afrodescendente, sendo inclusive para fins afirmativos não desagregada da população negra.

A encruzilhada

Se até meados do séc. XVIII Negros africanos (juntamente com os “crioulos”, negros aqui nascidos) e Negros da Terra, seguiam uma trajetória social relativamente comum, seguidos a certa distância pelos Índios que resistiam à escravização e maiores contatos com a sociedade envolvente (sendo por tal paulatinamente exterminados).

Em tal ponto se dividiram em três direções distintas, os afros seguiram escravizados e desprovidos de cidadania, os indígenas assimiláveis às regras “civilizatórias” impostas pela coroa e os antigos negros da terra ganharam cidadania e foram incorporados com respeitos à sociedade envolvente, enquanto os indígenas resistentes à assimilação, passaram a ser vistos como completamente inúteis aos interesses da sociedade branca, além de “entraves” à expansão das fronteiras de colonização e exploração de recursos naturais, portanto alvos naturais de extermínio e expropriação (situação que apesar da atual proteção do estado, permanece atualíssima).

Neste ponto é interessante e esclarecedor a leitura do seguinte trecho da Lei real de 1755 (com a linguagem e grafia originais da época) que mudou a situação de indígenas assimiláveis e descendentes perante a sociedade :

“10 – Entre os lastimosos principios, e perniciosos abusos, de que tem resultado nos Indios o abatimento ponderado, he sem duvida hum delles a injusta, e escandalosa introducçaõ de lhes chamarem NEGROS ; querendo talvez com a infamia, e vileza deste nome, persuadir – lhes, que a natureza os tinha destinado para escravos dos Brancos, como regularmente se imagina a respeito dos Pretos da Costa de Africa. E p orque, além de ser prejudicialissimo á civilidade dos mesmos Indios este abominavel abûso, seria indecoroso ás Reáes Leys de Sua Magestade chamar NEGROS a huns homens, que o mesmo Senhor foi servido nobilitar, e declarar por isentos de toda, e qual quer infamia, habilitando- os para todo o emprego honorifico: Naõ consentiraõ os Directores daqui por diante, que pessoa alguma chame NEGROS aos Indios, nem que elles mesmos usem entre si deste nome como até agora praticavaõ; para que comprehendendo elles, que lhes naõ compete a vileza do mesmo nome, possaõ conceber aquellas nobres idéas, que naturalmente infundem nos homens a estimaçaõ, e a honra. ” (Apud ALMEIDA , 1997)

Os desdobramentos

Pela leitura do trecho anterior, não fica difícil imaginar os desdobramentos de tal ato, a saber :

a) A instalação de generalizada mentalidade de “superioridade” do índio e de seus descendentes “caboclos” em relação aos negros (naquele momento passados a ser considerados apenas os afros)

b) O reforço da estigmatização do negro e da “necessidade” de rejeitar por todos os meios tal “pecha”, uma maior aceitação e mobilidade social do nativodescendente

c) O surgimento da tradição popular de invisibilização e negação da presença negra na região

d) A geração de um grande intervalo temporal e diferença de condições iniciais da trajetória de nativosdescendentes e afrodescendentes enquanto livres cidadãos (com óbvias consequências no rankeamento social atual de ambos aos grupos).

Hoje a população autodeclarada preta e parda na região diretamente atingida pelo ato pombalino de 1755 é a seguinte :

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FONTE: IBGE CENSO 2010

Interessante observar que no Ranking (RK) nacional os 3 estados com maior população autodeclarada parda estão na região, assim como os dois de maior população indígena, apenas Maranhão e Piauí aparecem entre os 4 com maior população autodeclarada preta e Pará (tido como uma das grandes portas de entrada e fixação de escravos na região) ocupa a a 11ª posição e o Amazonas (em cujo o estado a presença negra sempre foi tradicionalmente negada e invisibilizada) ocupa a antepenúltima posição nacional em pretos autodeclarados.

Interessante observar que apesar de reconhecida “naturalmente” como terra “predominantemente indígena ” ocupando a segunda posição no ranking nacional relativo a tal população, possui em termos percentuais empate estatístico com o percentual de autodeclarados pretos (estes como já dito, tradicionalmente invisibilizados e negados na composição étnico-racial do estado).

A se seguir porém o critério do IBGE (utilizado desde 1872 no primeiro censo brasileiro) que agrega pretos e pardos na população negra, Amazonas e Pará seriam os dois estados de maior proporção populacional negra… coisa que faria total sentido se baseado no conceito apresentado de população negra como descendente de escravizados e não apenas afrodescendente, o que gera porém uma grave imprecisão de origem e pertença da população regional.

De fato e perceptível empiricamente, constata-se que a grande maioria dessa população (mas não toda ela) autodeclarada parda possui traços indígenas e não africanos.

Ao mesmo tempo que seguindo o preconizado na lei do diretório pombalino, introjetada e repassada de geração em geração, rejeitam a associação estigmatizada com “Negro” ou como parte da população negra, e não podendo se colocar como indígenas (esses etinizados) nem como brancos, reconhecem a origem indígena (a marca, presente no fenótipo) mas em geral reforçam, valorizam e reivindicam uma identidade “cabocla” não necessariamente acoplada exclusivamente ao fenótipo mas principalmente uma cultura caldeada e característica da região amazônica.

A solução para tal impasse a nosso ver, e sem ferir os princípios que norteiam a moderna pesquisa de populações e políticas públicas, surgiria com a reformulação das categorias censitárias para as de ancestralidade geográfica (nativodescendentes [etinizado/ desetinizado] , eurodescendentes, afrodescendentes e asiaticodescendentes), emprestando assim maior precisão à pesquisa censitária e todos os desdobramentos.

A conclusão

Diante do exposto ficam aclaradas algumas situações características à região norte do Brasil no tocante a temática e que sem maiores complementos também pode ser estendida ao restante do país.

A trajetória dos nativodescendentes assimilados, após o ato pombalino foi bastante facilitada e estabeleceu as condições para que hoje os mesmos estejam bem distribuídos ao longo de toda a pirâmide social (nacional e regional), coisa que ainda não ocorre com a população afrodescendente, majoritariamente concentrada na base da pirâmide e iniciando deslocamento massivo para o centro.

Referências

ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos Índios: Um Projeto de “Civilização” no Brasil do
Século XVIII. Brasília , UnB, 1997.

Brasil Escola . Reformas Pombalinas


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UFAM inova e lança cotas raciais em Mestrados.

vitória-cotasPelo menos dois dos programas de pós-graduação da UFAM – Universidade Federal do Amazonas  (História e Antropologia Social), lançaram editais que contemplam ações afirmativas para pretos, pardos e indígenas, seguindo uma tendência que já vinha sendo adotada há tempos  nas graduações de algumas universidades federais (mesmo antes de se tornar lei apenas no caso da graduação, com a decisão do STF e a aprovação e sanção de Projetos que ficaram em discussão por quase uma década).

O pioneirismo se deve a serem programas de áreas altamente envolvidas com o estudo das temática étnico-raciais, incluindo ai as desigualdades em todas as esferas da sociedade, na realidade a cota para indígenas já existia em um dos cursos, a novidade foi a inclusão de pretos e pardos;  no Mestrado em História há apenas a solicitação de autodeclaração e de interesse em concorrer pela Ação Afirmativa no formulário de inscrição,  já no curso da Antropologia há ainda a exigência de uma declaração de comunidade ou entidade representativa (a intenção parece ser mais  que fazer “reconhecimento” da pertença do candidato,  obter um reconhecimento do compromisso e reconhecimento social do grupo que representa, e que provavelmente se refletirá no retorno em pesquisas que favoreçam e emponderem  a diversidade) .

A pós-graduação stricto sensu, tem sido tradicionalmente para os afrodescendentes um gargalo ainda pior que o acesso à graduação, convém nesse sentido ler o excelente artigo de CUNHA JUNIOR sobre isso ,  portanto essa iniciativa é muito importante e significativa em se tratando do mês da consciência negra…

Abaixo trechos dos editais :

AA-na-pos-UFAM2AA-na-pos-UFAM1AA-na-pos-UFAM3PS. as inscrições de História se encerraram hoje 04/11 e a de Antropologia amanhã cedo.