Blog do Juarez

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Me esqueci mas, em tempo. Monteiro Lopes no Palácio da Justiça amazonense.

No meu último texto da coluna que assino na Agência de notícias Amazônia Real (publicado ontem), falei da felicidade em ver um antigo sonho realizado, a criação do Museu Judiciário do Amazonas e instalado na antiga e centenária sede, o Palácio da Justiça https://amazoniareal.com.br/a-justica-amazonense-de-volta-ao-palacio/

Tem porém um detalhe importante que esqueci. A minha dissertação de Mestrado, foi sobre Manoel da Motta Monteiro Lopes, Advogado negro recifense, que morou um tempo em Manaus, e atuou como Promotor de Justiça em 1892, depois se radicando no Rio de Janeiro, onde fez carreira política, se tornando o primeiro deputado federal negro assim reconhecido, assumido e com discurso afirmativo. Faleceu na então capital da República em exercício do mandato em dezembro de 1910.

Para além dos aspectos gerais já conhecidos da sua trajetória, cabia a mim especificamente elucidar a parte amazonense dela. Que ao contrário do imaginado inicialmente foi mais interessante e registrada, não quando morou aqui, ainda no XIX, mas sim quando retornou ao estado já como deputado pelo Distrito Federal em 1910, o que era até então ignorado em sua historiografia.

Por economia marco aqui apenas que foi uma estada “apoteótica” que pode ser lida integralmente por quem se interessar, na própria dissertação, nesse texto aqui vou deixar só o extrato da sua passagem pelo Palácio. O que dado o contexto social de 1910 foi uma coisa impressionante…

“A recepção feita em sua despedida ao judiciário amazonense também noticiada no dia 9 de agosto  foi literalmente digna de nota:

Foi hontem ao Tribunal de Justiça apresentar as suas despedidas o illustre deputado dr. Monteiro Lopes.O presidente do Tribunal, sr. desembargador Rubim fel-o sentar a sua direita, tendo s. exc. assistido a sessão. Terminados os trabalhos o representante do Districto Federal abraçou a todos os desembargadores, e demais juizes e escrivães que o trouxeram até á porta central do edifício. S. exc. trajava ao rigor custosa e riquissima becca de seda, e que dava maior realce e solenmidade aquelle templo da justiça. Grande numero de advogados e pessoas do fòro alli estiveram presentes. (Correio do Norte: Orgão do Partido Revisionista Estado do AM. Manaus, p. 2-2. 09 ago. 1910.)

A forma como isso foi feito, demonstra que aparentemente não foi mero protocolo interpoderes do estado, indica fortemente que as relações estabelecidas no meio judiciário, quer seja nos tempos de faculdade no Recife, nos quais foi colega do anterior e falecido presidente do judiciário amazonense, e não improvável de outros juristas aqui instalados dada a importância  e disseminação de egressos da  faculdade pernambucana, quer no período de atuação no cenário forense de Manaus no XIX, atuaram dando ao evento um caráter também afetivo e simbólico.”

Do ponto de vista historiográfico pode até parecer irrelevante um local físico específico que uma pessoa ocupou em um evento (o simbólico no entanto é importante). Porém, para mim que me ocupei em descobrir a cena e visualiza-la na imaginação via uma descrição passada e em um determinado contexto e agora, anos depois, tive a oportunidade de estar envolvido com a reapropriação do cenário real em que se deu o fato, não deixa de ser uma feliz coincidência… 😉 .


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VAMOS BRINCAR DE ENEM

A proposta é testar se você sabe de onde vem a noção política de “esquerda” e “direita”, então vamos lá:

Exercício resolvido

(Enem) “Em nosso país queremos substituir o egoísmo pela moral, a honra pela probidade, os usos pelos princípios, as conveniências pelos deveres, a tirania da moda pelo império da razão, o desprezo à desgraça pelo desprezo ao vício, a insolência pelo orgulho, a vaidade pela grandeza de alma, o amor ao dinheiro pelo amor à glória, a boa companhia pelas boas pessoas, a intriga pelo mérito, o espirituoso pelo gênio, o brilho pela verdade, o tédio da volúpia pelo encanto da felicidade, a mesquinharia dos grandes pela grandeza do homem.”

HUNT, L. Revolução Francesa e Vida Privada. In: PERROT, M. (Org.) História da Vida Privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1991 (adaptado)

O discurso de Robespierre, de 5 de fevereiro de 1794, do qual o trecho transcrito é parte, relaciona-se à qual dos grupos político-sociais envolvidos na Revolução Francesa?

a) À alta burguesia, que desejava participar do poder legislativo francês como força política dominante.

b) Ao clero francês, que desejava justiça social e era ligado à alta burguesia.

c) A militares oriundos da pequena e média burguesia, que derrotaram as potências rivais e queriam reorganizar a França internamente.

d) À nobreza esclarecida, que, em função do seu contato com os intelectuais iluministas, desejava extinguir o absolutismo francês.

e) Aos representantes da pequena e média burguesia e das camadas populares, que desejavam justiça social e direitos políticos.

Resolução: LETRA E

Maximilien Robespierre era o líder dos jacobinos no período em que eles estiveram à frente da Revolução Francesa. A ascensão dos jacobinos foi impulsionada pelo apoio do povo, sobretudo dos sans-culottes. Contavam com o apoio da pequena e média burguesia e desejavam ampliar as reformas sociais na França revolucionária. Durante o domínio dos jacobinos, aconteceu o período conhecido como Terror, no qual os opositores dos jacobinos eram sumariamente guilhotinados.

|1| HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014, p. 114.
|2| Idem, p. 119.

OK, então já sabemos na revolução francesa quem eram os Jacobinos, era o povão que junto com a pequena e média burguesia se opunha à aristocracia, ao clero aliado e aos conservadores, generalizados então como Girondinos.

Na Assembleia Jacobinos ficavam no lado esquerdo e Girondinos no lado direito. Resumindo, quem defendia liberdade, igualdade e o lado dos mais pobres era da esquerda, os que defendiam a desigualdade e os interesses dos mais ricos era direita…

Karl Marx, o teórico do socialismo moderno e dos comunistas só iria nascer em 5 de maio de 1818, em Tréveris, Alemanha, ou seja, 24 anos depois da ideia de esquerda e direita ter sido implantada e na França…, portanto nada a ver, limitar hoje o que é ser esquerda ao campo socialista e direita ao que não é socialista. A questão é de “lado dos pobres” e “lado dos ricos”, lado dos avanços sociais ou lado da desigualação e privilégios, lado da solidariedade ou lado do egoísmo, simples assim…

Por isso é que a melhor definição de esquerda hoje é a do Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, que vai na raiz da ideia.


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LAÇOS FORA, O RETORNO

Colagem

Outro dia fiz uma postagem em que manifestei o desconforto com a apropriação das cores e símbolos nacionais pela direita. Deu alguma polêmica pois há quem acredite que as cores e os símbolos devem ser “retomados”, não “entregues de bandeja” para os “nacionalistas reaças”. Eu particularmente sinto e já se começa a perceber, que há um sentimento generalizado e uma movimentação no mesmo sentido, por uma revisão dessa símbologia.

Não é incomum em todo mundo e períodos esse tipo de revisão, nos acostumamos com o verde e amarelo como representativo, com aquela “história mal contada” de verde das matas e amarelo do ouro e riquezas naturais, quando na realidade o verde na bandeira brasileira representou originalmente a casa de Bragança e o amarelo a casa dos Habsburgo, ou seja, a família imperial brasileira. Mais que a própria família imperial, o verde e amarelo representava um projeto aristocrata de nação, quando se fez independente da metrópole portuguesa, sem contundo uma ruptura sequer na monarquia que era a mesma… sem grandes mudanças para o povão, “mudamos” de colônia escravagista de mais de 3 séculos, para império escravagista por mais 67 anos.

Nem a abolição da escravidão nem a República foram suficientes para “refundar” a nação, seguimos mais de 130 anos sob as cores imperiais, mas não apenas sob elas, sobretudo sob um pensamento elitista, excludente e não menos repleto de coloniedades (e não que eu as vezes não me divirta com algumas coisas burguesas/nobiliárquicas).

Não à toa vemos hoje um presidente da República e não sei quantas pessoas sem nenhum “pedigree imperial” cultuado a bandeira imperial, não à toa o amarelo dos Habsburgo, que virou “canarinho” no orgulho nacional do imperialismo futebolístico de outros tempos (e não que não tenhamos mais “imperadores”, “reis” e outros “nababos de chuteiras”) e migrou para representação da paradoxal união da “alta toscolagem” com a”baixa toscolagem”, todos compartilhando o mesmo trevoso fervor e espírito nefasto e com as mesmas cores que um dia acreditamos que eram na verdade nossas, de todos nós, mas de certo não são mais.

Essa invenção chamada Brasil, que boa parte acredita que começou com um tal de Cabral chegando ao que ele inicialmente nominou de “Santa Cruz/Vera Cruz”, que se expandiu sob as cores da coroa portuguesa em seus estados americanos, mas outros acreditam que só passou a existir praticamente com a independência, de um jeito ou de outro teve várias bandeiras e cores ao longo do tempo, porém a ruptura do “laços fora” com o fim do Brasil colônia, não se repetiu com o fim do Brasil império… está aí para todo mundo ver.

Por mais apego e afetividade que tenhamos aos nossos símbolos, parece que chegamos à uma nova bifurcação de nossa estrada nacional, incontornável ao menos a discussão do que fazer com eles. Conforme diria proféticamente Eduardo Cunha no ato que abriu a “Caixa de Pandora” desses novos tempos, “Deus tenha piedade dessa nação”…


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AINDA SOBRE A QUESTÃO DO FETICHE BANDEIRANTE DE SP .

Vendo o jornal hoje, que tem o mesmo ponto que eu, repito que não é uma “questão com CPF” (se bem que CPF não existia na época, é um metáfora para a “fulanização” do caso), na realidade é uma questão de classe.

Borba Gato estátua não é uma biografia estrita, é no caso uma representação de classe,  classe essa historicamente responsável por crimes contra a humanidade, classe que funda e é resgatada pela elite paulista ( e suas “linhas auxiliares) que de uma forma ou de outra segue em várias instâncias, não apenas no estado mas em todo o país, produzindo opressões, explorações, genocídios… .

É contra tudo isso a revolta de uma periferia (do sistema) que cansou de uma narrativa distorcida e que modernizada continua a lhes matar e oprimir.  Vide Racionais MC’s:


“Desde o início, por ouro e prata
Olha quem morre, então
Veja você quem mata
Recebe o mérito a farda que pratica o mal
Me ver pobre, preso ou morto já é cultural
Histórias, registros e escritos
Não é conto nem fábula, lenda ou mito” (Negro drama)


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DE NOVO SOBRE JORNALISTAS E HISTÓRIA

Laurentino Gomes no Programa Roda Viva

Já escrevi aqui no blog sobre a questão dos jornalistas que escrevem sobre História. No caso falei do Eduardo “peninha” Bueno. No vídeo abaixo tem uma fala do Laurentino Gomes no Roda Viva. Não tenho nada contra, e concordo com eles que se eles fazem sucesso e vendem muito, não deveria ser “problema” como é para muitos colegas Historiadores de formação que os criticam… .

A produção acadêmica é “antropofágica”, ou seja, para consumo endogâmico (interno)… . Enquanto jornalistas e escritores de estilo popular, eles não estão limitados pela sisudez e a “aridez” do método e práticas historiograficas, escrevem para o povo e pelo povo são lidos… fazer o quê? 🤷🏿‍♂️

Certos “corporativismos” parecem mais pura inveja e recalque…, afinal, escrever interessantemente em tese qualquer um pode, por que não os “experts profissionais” ? #mistério

Veja o vídeo:

https://youtu.be/FklN_FRagcE


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O “DEFEITO DE COR” E OS “PRETOS DE ALMA BRANCA”

No final do antigo regime, ou seja, quando a família real veio para o Brasil em 1808, ainda vigorava a regra das ordenações filipinas do “defeito de cor”. A pessoa negra que quisesse e estivesse capacitada para uma função “melhorzinha” tinha que formular e assinar um documento chamado “súplica da dispensa do defeito de cor” no qual se dizia instruído, boa pessoa, temente à Deus e de acordo com o sistema e sendo assim para desconsiderarem seu “acidente de nascimento”.

Praticamente dizia ter a “alma branca” e como tal agiria (inclusive como linha auxiliar na repressão e desprezo aos outros negros) ao desempenhar função e ser melhor “aceito” socialmente. Aliás, “preto de alma branca” foi a única expressão que apesar de partir de um pressuposto racista, não tinha intenção injuriante, mas de “elogio” à uma pessoa negra, e isso no Brasil tem registros desde o século XVII por exemplo na referência à Henrique Dias.

Hoje não se faz nem assina o pedido, mas o tipo de pacto permanece em muitos casos…


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O CORONEL “CORTA CABEÇAS” X O ATOR PAULO GUSTAVO, UMA ESCOLHA DIFÍCIL ?

Umas semanas atrás citei em uma matéria jornalística sobre a substituição de nomes de ruas, o caso da troca em Niterói do nome da rua Cel. Moreira César (um paulista de Pindamonhangaba também conhecido por “o cortador de cabeças”), pela do ator Paulo Gustavo (nascido e criado na região da rua que agora leva seu nome). Apesar de ter sido uma iniciativa de apoio popular, era esperado a reação dos acomodados, acríticos e também uma disputa de narrativa/memória no nível ideológico.

Qual o sentido em manter o nome de um militar notabilizado por sufocar revoltas populares, violência extrema, assassinato de jornalista, morte e decapitação de tantos ? (vide no link https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/coronel-moreira-cesar-o-cortador-de-cabecas-da-republica-velha.phtml )

Não é só “acomodação”, não tem nada a ver com “prejuízo do comércio”, que terá isenção de gastos nos ajustes cadastrais, é parte da defesa de valores inaceitáveis para a maioria da sociedade hoje, mas muito em voga no contexto atual de ode ao militarismo e milicianismo, violência repressiva, discriminação e também uma contraposição aos símbolos e valores não conservadores/elitistas da atualidade. Um triste sinal dos tempos de inversão moral que vivenciamos.

Link para a matéria em que colaborei: https://amazonasatual.com.br/tirar-nomes-de-militares-de-ruas-em-manaus-gera-impasse-entre-moradores-e-reparacao-historica/


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“Questão Netto”, mais um pouco de Luiz Gama

Matéria na BBC dá conta de uma ação coletiva de alforria pouco conhecida, na qual Gama foi Patrono. A “Questão Netto”

Marcando aqui a hiperligação direta para o texto.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57014874


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1° de maio, Monteiro Lopes, pioneiro do trabalhismo no Brasil

Foto publicada no Jornal Correio do Norte,
de Manaus, em 1910

Em 1° de maio de 1909 tomava posse como Deputado Federal pelo então DF, o Advogado pernambucano Manoel da Motta Monteiro Lopes, primeiro deputado federal preto e com discurso afirmativo. Talvez não por coincidência também o primeiro a propor o 1° de maio como Dia do Trabalhador.

Abaixo a transcrição de sua atuação pró-trabalhadores em uma sessão na Câmara:

Pronunciamento do Dep. Monteiro Lopes – julho de 1909

O Sr. Presidente – Dos três Deputados
inscritos, restam apenas dois: o Sr. Dunshee de Abranches, que está
ausente, e o Sr. Monteiro Lopes, a quem vou dar a palavra, depois do que
ficam extintas as inscrições, devendo inscrever-se no próprio dia da
sessão o Deputado que pretender falar na hora do expediente.

Tem a palavra o Sr. Monteiro Lopes.

O Sr. Monteiro Lopes- Sr. Presidente, permitam V. Ex. e os meus ilustres colegas que as minha primeiras palavras interpretem com a maior fidelidade os mais solenes protestos de gratidão e de carinho a uma parte do eleitorado independente e incorruptível, que desde 1903 vem sufragrando o meu humilde nome nas urnas livres republicanas da capital da minha pátria. E que esta gratidão, Sr. Presidente, se estenda à imprensa do norte ao sul do país, que, após o pleito eleitoral de 30 de janeiro do corrente ano, esposou a minha causa, defendendo a legitimidade de meus direitos, quando se vociferava lá fora que a circunstância de meu nascimento era uma condição que impossibilitava a minha entrada nesta Casa do Congresso.

Não venho, Sr. Presidente, discutir o caso, que se me afigura haver passado em julgado diante das manifestações eloqüentes e inequívocas desta Câmara (Muito bem.), recebendo-me em seu seio pelo voto unânime dos Srs. Deputados presentes à sessão.

Conheço o Regimento, Sr. Presidente, e sei que uma das atribuições privativas
da Mesa é a distribuição do serviço para a ordem do dia.

Mas a Câmara também conhece as grandes e extraordinárias dificuldades que dia a dia assoberbam a vida das classes menos favorecidas da fortuna.

Entrei nesta Casa com uma eleição fortemente amparada pelas classes laboriosas.

De todas elas tenho recebido nos difíceis e acidentados transes de minha
carreira política, inigualáveis provas de confiança, verdadeiros pronunciamentos de dedicação exemplar, de modo a não ser possível divorciar-me da grande família operária, do homem do trabalho, do homem da oficina. (Aplausos das galerias.)

É por isso, que desde muito me constituí seu advogado na ininterrupta série dos seus sofrimentos, procurando na razão direta de minhas forças diminuir-lhe os seus inenarráveis sacrifícios. (Muito bem.)

Há nesta Casa dois projetos que constituem as mais justas e nobres aspirações do operariado.

O primeiro e o de nº 166, de 1906, que uniformiza as horas de trabalho e os vencimentos das diversas classes de operários.

Parece-me ter o projeto percorrido todos os turnos regimentais.

Apresentado à Câmara em 24 de agosto de 1906, a Comissão de Constituição e Justiça, pelo seu relator, o Sr. Justiniano Serpa, nobre Deputado pelo Estado do
Pará, adotou-o, havendo um voto divergente, do nosso ilustre ex-colega,
Dr. João Luiz Alves, então Deputado pelo Estado de Minas.

Remetido o projeto à Comissão de Finanças, em data de 3 de novembro do mesmo ano, foram os papéis distribuídos ao eminente Sr. Dr. Homero Baptista, nobre Deputado pelo Estado do Rio Grande do Sul, que, mais uma vez pondo
em destaque o seu amor e intransigência aos princípios republicanos e democráticos, adotou-o em um luminoso parecer em que eu não sei mais o que admirar, se a opulência dos seus conhecimentos científicos na matéria, se a elevação dos sentimentos de justiça de que procurou cercar o problema operário.

Do que não resta a menor dúvida, e está na consciência da Nação, é a grande
injustiça que até hoje se tem feito ao operariado de blusa, ao homem que, exposto às ardências do sol e às inclemências do frio, dá a sua atividade, nas oficinas do Estado ou nas empresas particulares, somente em troca de um salário, sem uma lei, sem uma medida que lhe garanta o seu esforço, que o imunize da miséria, no caso de acidente. (Apoiados.)

Por que este projeto, cuja justiça fora proclamada pelas duas comissões respectivas, não veio ainda à ordem do dia, para entrar em debate?

Aumento de despesa?

Mas esta é pequena, segundo afirmação do nobre Deputado por São Paulo, o honrado Sr. Dr. Galeão Carvalhal, autor do substitutivo, que assim conclui o seu minucioso trabalho:

                       
“As despesas a cargo do Tesouro sofrem um pequeno aumento, mas em regra são conservados os vencimentos dos operários.”

O segundo projeto, a que acima me referi, é o de nº 273, de 1908.

Não preciso assinalar aqui a grande importância e utilidade que traria ao
próprio país a aprovação de semelhante projeto, cuja sanção seria ao mesmo tempo um verdadeiro ato de humanidade.

Ao projeto nº 273 pode-se adicionar ou ajuntar um outro, apresentado pelo
eminente Sr. Medeiros e Albuquerque, o polemista emérito, o jornalista cívico, cuja pena vale por um jornal. (Aplausos das galerias.)

S. Ex. apresentou o seu trabalho nos mesmos moldes liberais do projeto nº 273.

Eu vi, Sr. Presidente, em torno deste projeto se levantarem mais de vinte mil operários bendizendo o nome do glorioso marinheiro, Sr. almirante Noronha, quando S. Ex., na simplicidade de marinheiro, prometia ao operariado da União o seu concurso livre e desinteressado na vitória do direito das classes laboriosas

Peço licença à Câmara para afirmar que no dia da sanção da lei uniformizando a
hora de trabalho, o vencimento do operário, regulamentando os acidentes
e riscos do mesmo trabalho, será definitivamente celebrado o legítimo
consórcio da República e o povo.

Sr. Presidente, não há país nenhum, ainda mesmo de civilização mediana, em que não se encontre lei protetora do operariado.

Conheço, por exemplo, a Dinamarca.

Lá foi promulgada a lei de 6 de julho de 1891, modificada em 1898, na parte em que instituía a fiscalização direta do Estado nos casos de acidentes de trabalho.

Na Inglaterra, nós temos a lei de 6 de agosto de 1897, que contém disposições
francamente liberais, disposições que podem se qualificadas como verdadeiras garantias dos interesses do operariado.

Na Alemanha, temos a lei de 1900, que por sua vez também foi modificada, consolidando as leis de 7 de julho de 1871 e mais ainda a lei de 8 de julho de 1884.

Na Áustria, existe a lei de 28 de setembro de 1887, alterada em algumas das suas disposições em 1893, e mais tarde modificada em 1894.

Na França, por exemplo, nós conhecemos a lei de 9 de abril de 1898,
alterada em 22 de março de 1902, modificada a 21 de junho de 1902, e
ainda ultimamente reformada em 17 de abril de 1906.

Tais modificações da legislação operária  em França atestam eloqüentemente a conduta dos poderes públicos diante do grande problema que interessa às classes laboriosas, e o desejo de acautelar os interesses do operariado, de modo que os princípios republicanos sejam uma realidade e não uma ficção.

E como fossem insuficientes as garantias da lei de 9 de abril de 1898, com as suas
modificações de caráter liberal, o telégrafo nos anuncia, há cinco dias, ter o presidente do gabinete francês, Jorge de Clemenceau, declarado que o parlamento adiaria a discussão do projeto que reforma a lei eleitoral, contanto que fosse aprovado o projeto instituindo uma pensão para o operário maior de 61 anos,

Enquanto vemos destes exemplos, eu pergunto à Câmara, que está reservado ao operariado no nosso país?

Dir-se-ia, talvez, que o ministério Clemenceau, agindo do modo aqui descrito, estava influenciado pelas idéias socialistas de Millerand.

Mas, a verdade é que Millerand entrou para o gabinete francês, já no governo
de presidente Dr. Armando de Falliéres, isso há cerca de dois anos, e a lei a que acima me referi da de 1898.

Sr. presidente, o meu objetivo na tribuna é dirigir um carinhoso apelo a V. Ex., para mandar imprimir e dar para a ordem do dia a discussão do projeto nº 166, de 1906, apelo que também torno extensivo às comissões respectivas que estão estudando o projeto n] 273, de 1908.

Venho pedir à Câmara justiça republicana para os humildes, para os operários de minha terra. (Apoiados.)

Sr. Presidente, nós republicanos precisamos nos desobrigar dos grandes e
extraordinários compromissos que contraímos com o povo nos difíceis tempos da propaganda. (Palmas no recinto.)

Nós, os republicanos, precisamos dizer lá fora e provar no recinto desta Casa, ser a República o regímen da ordem, da paz, da justiça…. e do trabalho. (Muito bem, muito bem. Palmas nas galerias e no recinto. O orador é abraçado e  cumprimentado.)

(Anais da Câmara dos Deputados. Sessão em 17 de julho de 1909, PP.
460-463.CEDI/ CELEG/SEDOP. Atualização ortográfica feita pelo Ìrohìn.)


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